O
marxismo é relevante nos termos da sua descrição do liberalismo, da sua
identificação das contradições do capitalismo, para criticar o sistema burguês
e para revelar a verdade por detrás das políticas demo-burguesas de exploração
e escravização apresentadas na forma de “desenvolvimento” e “libertação”. A
crítica potencial do marxismo é extremamente útil e aplicável: ela pode bem ser
incluída no arsenal da Quarta Teoria Política. Neste caso, porém, o marxismo
não aparece como uma ideologia que fornece respostas a um conjunto amplo de
questões emergentes (respostas estas que são racionais e axiomáticas em sua
fundação), mas como um mito expressivo ou como um método sociológico profícuo. O marxismo que podemos aceitar é o marxismo mítico-sociológico.
Como
um mito, o marxismo narra a história de um estado paradisíaco original (o comunismo
primitivo) que é gradualmente perdido (a
divisão primitiva do trabalho e a estratificação
da sociedade primitiva). A partir de então, as contradições aumentam,
chegando ao ponto de, no fim do mundo, reencarnarem na forma paradigmaticamente
mais pura do antagonismo entre Capital e Trabalho. O Capital (a burguesia e a
democracia liberal) personifica o mal global, a exploração, a alienação, a
mentira e a violência. O Trabalho recapitula um grande sonho e uma antiga
memória do bem comum, cuja aquisição
(a mais-valia), por parte de uma
minoria maligna, origina todos os males da vida. O Trabalho (o proletariado)
deve reconhecer os paradoxos desta situação e se erguer contra seus patrões, de
modo a construir uma nova sociedade: o
paraíso na terra, o comunismo. No
entanto, este não será o “comunismo inicial de origens naturais”, mas um tipo
artificial, científico, em que os excedentes, acumulados por séculos e milênios
de alienação, servirão à comuna, à comunidade. O sonho se tornará realidade.
Um
tal mito se encaixa perfeitamente na estrutura da consciência escatológica que
ocupa um lugar significativo nas mitologias de todos os tipos de tribos e de povos,
sem mencionar nas diversas religiões. Isto, por si só, já conta a seu favor
para que nós o tenhamos na mais alta estima.
Além
de tudo, como sociologia, o marxismo é absolutamente útil para revelar os
mecanismos de alienação e de mistificação que o liberalismo usa para justificar
seu domínio, bem como para legitimar suas sanções. Sendo ele mesmo um mito, em
sua forma ativista polêmica, o marxismo serve como um excelente instrumento
para expor as grandes narrativas
burguesas, de modo a derrubar a credibilidade do phatos liberal. Neste sentido – Contra
o Liberalismo – ele pode ser efetivamente usado sob novas condições:
afinal, nós continuamos a existir sob o capitalismo e, portanto, a crítica marxista
e a luta de classes contra o capitalismo permanecem na agenda (ainda que as
velhas formas desta luta tenham se tornado irrelevantes).
O
marxismo está normalmente correto quando descreve seu inimigo, especialmente a
burguesia. No entanto, suas tentativas de compreender a si mesmo o levaram ao
erro. A primeira e mais proeminente contradição é a previsão não cumprida de
Marx acerca dos tipos de sociedades mais aptas para as revoluções socialistas.
Ele estava confiante de que as mesmas ocorreriam nos países industrializados
europeus com um elevado nível de manufatura e com um alto percentual de
proletariado urbano. Tais revoluções foram excluídas de ocorrer nos países
agrários e possuidores do modo asiático de produção (devido a sua falta de
desenvolvimento). No século XX, tudo ocorreu exatamente ao contrário:
revoluções socialistas e sociedades socialistas se desenvolveram em países
agrários com uma população rural arcaica, enquanto nada semelhante se deu nas altamente
desenvolvidas Europa e América. Ainda assim, mesmo naqueles países em que o
socialismo venceu, a dogmática marxista não permitiu que seus pressupostos lógicos
básicos fossem repensados, nem que se considerasse o papel dos fatores
pré-industriais e nem que fosse avaliado corretamente o real poder do mito.
Em
sua versão ocidental e soviética, a autorreflexão do marxismo acabou sendo
questionável e imprecisa. Criticando o liberalismo justificadamente, o marxismo
estava seriamente equivocado sobre si mesmo: o que, de certo modo, afetou o seu
destino. Ele eventualmente entrou em colapso mesmo naqueles lugares em que
havia triunfado – e, nos termos daqueles lugares onde deveria ter vencido, o
capitalismo prevaleceu: o proletariado se dissolveu na classe média e
desapareceu dentro da sociedade de consumo, contrariando as expectativas e
projeções. No fim, os comunistas revolucionários europeus se converteram em
palhaços pequeno-burgueses, entretendo e entediando o exausto público das democracias.
(Alexandr, Dugin. A Quarta Teoria Política. 2ª Ed. Austral: Curitiba, 2012).
(Alexandr, Dugin. A Quarta Teoria Política. 2ª Ed. Austral: Curitiba, 2012).
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